Por Silvia Chimello
A proposta de alterações no estatuto da Santa Casa de Mogi das Cruzes, apresentada pela atual administração, enfrenta resistência por parte dos conselheiros e da irmandade da instituição. Esses membros, chamados de “irmãos”, responsáveis pela administração e supervisão da instituição, consideram improvável a aprovação dessas mudanças, especialmente no fim do mandato do atual provedor, José Carlos Petreca.
Entre as mudanças sugeridas estão a ampliação do mandato da provedoria de dois para três anos, a remuneração dos cargos da mesa diretiva e ajustes no atendimento de convênios, o que pode impactar o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
As propostas serão votadas em uma assembleia extraordinária, marcada para esta quinta-feira (26), às 15 horas, quando a irmandade e os conselheiros vão decidir se aprovam ou não as alterações.
Apesar das manifestações contrárias, não existe ainda uma certeza sobre o resultado dessa votação, até porque alguns sócios irmãos suspeitam de uma possível manobra para impedir que muitos deles tenham direito ao voto. Pelo estatuto, só podem votar aqueles que estiverem com as contribuições mensais em dia. No entanto, muitos disseram que não receberam o boleto para efetuar o pagamento, o que os deixaria inadimplentes, restringindo seu direito ao voto.
Na terça-feira (22), a Santa Casa publicou uma carta aberta defendendo as mudanças como medidas para “profissionalizar a gestão”, e ressaltando que a remuneração dos diretores está em conformidade com a Lei Complementar n.º 187/21. O documento também reforça que as alterações no estatuto serão submetidas à assembleia geral, e destaca “a transparência das ações”, supervisionadas por órgãos como o Tribunal de Contas (TCE-SP) e o Ministério Público.
Inicialmente, havia dúvidas sobre a possibilidade de o atual provedor, José Carlos Petreca, permanecer no cargo por mais um ano, caso as mudanças fossem aprovadas. Contudo, essa hipótese foi descartada na carta publicada pela diretoria do hospital. Ainda assim, há incertezas sobre os valores que podem ser pagos para os cargos da mesa, que deixariam de ter o caráter voluntário, e a respeito das possíveis alterações nos serviços prestados, como a ampliação dos convênios, atendimentos particulares e possível redução no atendimento pelo SUS.
Independentemente do resultado da votação, a Santa Casa realizará eleições para a mesa diretiva neste final de ano. Porém, o pleito que estava previsto para dezembro, foi antecipado para o dia 6 de novembro.
O presidente do Conselho Fiscal, Flávio Ferreira Mattos, preferiu não pronunciar diretamente sobre as alterações. Ao ser questionado pela reportagem da Vanguarda, ele disse que ainda não tinha recebido o material com todas as informações detalhadas a respeito da proposta de alteração, mas avalia que “a irmandade provavelmente não apoiará mudanças em final de mandato”.
Por conta dessas divergências, Flávio tem sido incentivado a entrar na disputa, articulando a formação de uma chapa encabeçada por ele, Miriam Nogueira do Valle, que presidente da Associação de Voluntários da Santa Casa, como candidata à vice provedora.
“Lançaram meu nome, mas estamos trabalhando para ter uma chapa única e objetivos alinhados com a nova gestão municipal. Todos juntos para que a saúde de Mogi cresça e as pessoas sejam bem atendidas”, declarou Flávio. Ele busca um consenso entre todos os diretores e o corpo administrativo da instituição filantrópica centenária de Mogi das Cruzes, que sempre manteve suas portas abertas ao público. Ele destaca ainda que “a Santa Casa é maior do que todos”.
Manifestação pública
A carta da Santa Casa foi publicada na terça-feira (22), após matéria divulgada pela Vanguarda no sábado (19), que cobrava mais transparência sobre as mudanças propostas. O atual provedor, José Carlos Petreca, recusou-se a conceder entrevista para detalhar as alterações.
O que diz a carta da Santa Casa:
“Em razão de seu compromisso com a transparência, a Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes, instituição privada que presta serviços a entes públicos, esclarece que as propostas de alterações de seu estatuto social, sobretudo quanto à ampliação do prazo de mandato da Mesa Administrativa e à eventual remuneração de seus diretores, atendem às boas práticas de gestão e aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência.
Sobre a alteração do estatuto para possibilitar a remuneração aos dirigentes – que se dedicam em tempo integral à entidade –, esclarece-se que a medida visa profissionalizar ainda mais a gestão do nosocômio, havendo previsão legal a respeito do assunto, uma vez que a matéria é disciplinada pela Lei Complementar n.º 187/21. Esclarece-se, por oportuno, que a proposta de alteração nesse sentido ainda será objeto de votação pela Assembleia Geral, órgão soberano para aprová-la ou não e com competência para estabelecer os limites de valores a serem disponibilizados, tudo, reitere-se uma vez mais, conforme regulamentado por lei e a partir de receita privada da entidade, sem qualquer correlação com verbas públicas.
Sobre a proposta de ampliação do mandato, esclarece-se que trata-se de medida que igualmente será submetida ao crivo da Assembleia Geral, e, caso aprovada, valerá para as próximas gestões. A intenção é viabilizar a implementação e a continuidade de políticas de aperfeiçoamento da gestão, permitindo que o corpo diretivo eleito tenha tempo ideal para concretizar melhorias necessárias, tanto do ponto de vista médico-hospitalar quanto administrativo e financeiro, equiparando-se assim aos mandatos adotados por inúmeras Santas Casas, como São José dos Campos, Juiz de Fora-MG, São Paulo, Santos e outras.
Por fim, é necessário ressaltar que a Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes é uma entidade privada com 151 anos de serviços dedicados à população e está submetida à rígida fiscalização de órgãos de controle, notadamente o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e o Ministério Público, além do controle interno exercido pela própria Irmandade. Por isso, vê com pesar as insinuações que têm sido feitas contra sua Mesa Administrativa, composta por pessoas de conduta ilibada, que se dedicam ao hospital e à sua missão de amenizar dores e salvar vidas”.
Veja a cópia do documento com as propostas de mudanças:
No documento que a Vanguarda tece acesso, a provedoria alega que as mudanças que a Santa Casa de Mogi das Cruzes deseja implementar em seu estatuto envolvem uma série de correções e adequações em diferentes artigos, visando melhorar a gestão institucional e a transparência.
Os principais pontos são os seguintes:
- Artigo 1: Correção da data da Assembleia Geral Extraordinária, garantindo que a data correta seja refletida no estatuto, quando foi definida a denominação atual da Santa Casa.
- Artigo 39 (itens b, c e d): Alterações no objetivo institucional da Santa Casa, com a inclusão no § 1º do Artigo 3º sobre a formalização de contratos para atendimentos com planos de saúde e particulares, ampliando o escopo de atuação para incluir esses serviços.
- Artigo 18, § 2º: Inserção de cláusulas que permitem a remuneração dos membros da Mesa Administrativa conforme previsto na Lei Complementar nº 187/2021 (Lei Bertaiolli). Isso formaliza a possibilidade de remuneração para quem ocupa cargos administrativos.
- Artigo 19, item (i): Inclusão da competência da Assembleia Geral para estipular os valores de remuneração dos membros da Mesa Administrativa, tornando o processo de remuneração mais transparente e formalizado.
- Artigo 19, §§ 10 e 11, item (c): Alterações relacionadas ao prazo para a transmissão de cargos aos eleitos e as condições necessárias para que um candidato possa assumir o cargo de provedor.
- Artigo 23, caput e § 1º e § 2º: Adequação da estrutura da Mesa Administrativa e dos suplentes, bem como a alteração do prazo de mandato, ajustando a gestão interna e a continuidade dos mandatos.
- Artigo 24, item (m): Adequação para refletir mudanças nas responsabilidades e deveres dos membros da Mesa Administrativa.
- Artigo 25, item (n): Adequação das providências urgentes a serem tomadas pela Mesa Administrativa e, ainda, a inclusão de proteção jurídica e assessoria para os membros da Mesa e do Conselho Fiscal, assegurando-lhes suporte em questões legais.
- Artigo 27: Alteração no que trata sobre as funções do Vice-Provedor, provavelmente visando definir melhor suas responsabilidades e funções.
- Artigo 29: Alteração sobre as atribuições do 2º Secretário, possivelmente para ajustar suas funções de acordo com as novas necessidades da instituição.
- Artigo 31: Alteração na competência do 2º Tesoureiro, provavelmente ajustando sua responsabilidade sobre questões financeiras.
- Artigo 33, § 1º: Alteração no mandato dos membros do Conselho Fiscal, ajustando a duração do mandato e outros critérios relacionados à permanência no cargo.
- Artigo 35: Adequação das competências do Presidente do Conselho Fiscal, ajustando suas funções de acordo com as novas regras administrativas.
- Artigos 36 a 39 e artigo 41: Adequação das regras relacionadas à Diretoria Técnica e à Capela, possivelmente para melhorar a governança e o gerenciamento desses setores.
O que é a irmandade da Santa Casa
A Santa Casa é uma organização composta por membros da comunidade que se unem com o propósito de gerir e apoiar uma instituição de caridade ou hospital filantrópico. Esses membros, chamados de “irmãos”, são responsáveis pela administração e supervisão da Santa Casa, garantindo que seus princípios filantrópicos sejam mantidos.
Na prática, a irmandade funciona como uma espécie de assembleia ou corpo social que toma decisões importantes sobre a instituição, como mudanças no estatuto, eleição de diretores (como o provedor, que é o líder da instituição), e outras questões administrativas. Os irmãos geralmente são voluntários e, em algumas Santas Casas, precisam cumprir requisitos como contribuir financeiramente com a instituição e estar em dia com suas obrigações para manter o direito de votar em assembleias.
Essas irmandades desempenham um papel crucial na governança das instituições e na manutenção do caráter beneficente da entidade.