Por Sabrina Pacca
Imagine que você leve seu filho, de 20 anos, para tratar uma dor de garganta e ele não saia da clínica vivo. Foi esse o baque da mãe Flávia Helena Godoy Cavalcante, 47 anos, vigilante, e de toda a família do estudante Lucas Godoy Eisehut Cavalcante, mogiano que chegou à UPA do Oropó sentindo dor de garganta e falta de ar, passou pela triagem e recebeu pulseira verde (não urgente), mas faleceu dentro da unidade. A alegação para o óbito, segundo contou a família e prontuário médico, foi que Lucas tinha diabetes – fato que os parentes negam.
Segundo a denúncia feita pela família à ouvidoria da organização social Instituto de Tecnologia em Saúde (INTS), que gerencia a UPA do Oropó, no dia 9 de agosto deste ano, a avó de Lucas, Maria Reni Pedroso Godoy, levou o neto para a unidade, por volta da meia noite, porque ele estava com falta de ar e dificuldade para respirar. Na triagem, a enfermeira colocou uma pulseira amarela. Atendido pela médica, foi pedido raio X do pulmão e abdómen. Ao retornar na consulta, a médica teria informado que havia uma mancha no pulmão. Passou medicação para tomar no local e receitou medicação para tomar em casa, porque o jovem também estaria com a garganta muito inflamada.
Lucas foi embora, mas durante a madrugada se sentiu mal, novamente, tendo que retornar à UPA desta vez acompanhado pelo pai e, depois, pela mãe e pelo avô, Luiz Roberto Godoy, um militar reformado de 75 anos. Eles contam que o estudante entrou andando, normalmente, apesar do mal estar e falta de ar permanente. Chegando lá, na triagem, foi colocada pulseira verde nele (sem urgência) – pulseira, aliás, que ficou com ele durante todo o período até o óbito, segundo o relato dos familiares. O levaram para a sala de medicação para tomar um soro (a família não sabe dizer o que tinha no soro) e fazer inalação. Em determinado momento, de acordo com Flávia, um auxiliar de enfermagem levanta a blusa do rapaz e apenas informaram ao pai que Lucas iria ser levado para uma sala de emergência para tomar outra medicação.
Indignados com a total falta de informação, a mãe chega à sala e vê o filho cheio de aparelhos. Preocupada, questionou. Uma enfermeira teria falado que o estudante estaria com os brônquios muito inflamados. Flávia pediu, então, que o transferissem para a Santa Casa, Hospital Luzia de Pinho Melo ou qualquer outro hospital que pudesse atender o filho apropriadamente, mas teria sido informada de que não havia uma ambulância UTI à disposição.
´Vi meu filho falecer na minha frente. Nunca vou esquecer aquela imagem. Estamos muito angustiados, tristes. Ele foi para ser atendido com uma dor de garganta e falta de ar, mas não saiu de lá vivo. Eles falaram que ele morreu porque tinha diabetes tipo 1, mas meu filho nunca teve diabetes. Fiz o relato à ouvidoria e pedimos essa reportagem porque queremos alertar para que isso não ocorra com outros pacientes. É um total descaso. Os médicos não colocam a mão nos pacientes, não examinam direito. Além disso, são desleixados, ficam de conversa fiada e os pacientes esperando. Talvez se tivessem agido corretamente com o Lucas, ele estivesse vivo ainda. Se tivessem transferido ele para um hospital qualificado, ele estivesse vivo ainda`, afirmou a mãe, aos prantos.
Difícil conter a emoção também diante do relato do avô, Luiz Roberto. ´Estamos vivenciando uma fase crítica na saúde. O que mais me dói é ver a falta de humanização dos médicos. Eles estão ali apenas por dinheiro. Não querem saber da saúde do paciente. Não se envolvem, não pesquisam, não trocam informações com os colegas sobre os casos, não fazem nada para tentar salvar vidas`, lamentou, também com lágrima nos olhos.
A família requereu o prontuário de Lucas. No relatório médico, consta que o jovem foi encaminhado à sala de emergência com ´piora no estado geral e hiperglicemia, com sinais de cetoacidose` (em termos gerais, uma complicação metabólica aguda do diabetes).
O prontuário diz, ainda, que Lucas recebeu medicação para a situação em que se encontrava, mas diante a piora, foi entubado sob ventilação mecânica e sedação. O paciente teria ficado sem pulso audível, tendo sido feita reanimação cardiovascular, mas veio à óbito às 16h12 do dia 10 de agosto. O caso teria sido encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito. ´No atestado de óbito diz provável diabetes, para a causa da morte, mas o Lucas nunca teve diabetes`, reafirma a mãe.
A família alega que não quer processar a UPA ou a Prefeitura de Mogi das Cruzes porque, segundo ela, teme a necessidade de exumação do corpo. ´Não queremos passar por essa dor imensa novamente. Só queremos mesmo mostrar que houve negligência para que outros não passem por isso`, salientou o avô.
Lucas, aos 20 anos, estava na faculdade de Engenharia de Software, na Universidade de Mogi das Cruzes. Era bom aluno, só estudava, tinha muitos amigos, segundo os avós, a mãe e o irmão mais velho, Matheus Godoy Cavalcante, de 26 anos. ´Ele era um menino estudioso e muito bondoso que vai deixar muita saudade`, concluiu Matheus, lembrando que a família não recebeu nenhum apoio psicológico da UPA.
O que diz a Organização Social
Veja a nota encaminhada pelo INTS à Vanguarda, na íntegra:
´O INTS, responsável pela gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) “Dra Corasi Alves de Andrade” (Oropó), lamenta profundamente o óbito do paciente L.G.E.C., que deu entrada na unidade em 8 de agosto com queixa de febre e constipação. Tanto no primeiro atendimento, quanto no segundo (no dia seguinte), não houve demora para a realização do acolhimento e atendimento médico do paciente: 11 e seis minutos, respectivamente
No primeiro atendimento, após receber medicação na unidade, o paciente apresentou melhora clínica e por isso foi liberado com indicação de medicação em casa. Ao retornar, no dia seguinte, não foi relatado que o paciente possuía qualquer comorbidade e foi encaminhado para medicação e realização de exames laboratoriais e de imagens e mantido em observação. Devido à evolução com desconforto respiratório, dessaturação e glicemia alta, foi imediatamente transferido da sala de medicação para a emergência onde foi evidenciado alterações clínicas e laboratoriais de quadro de cetoacidose diabética (compatível a falência do pâncreas) e, imediatamente adotadas as condutas médicas para intervenção do quadro.
Na tarde do dia 10, porém, o paciente evoluiu com piora clínica, sendo necessária a entubação, mantendo a deterioração clínica com uma posterior parada cardiorespiratória. Apesar das manobras de reanimação, evoluiu para óbito.
Importante salientar que, como protocolo, a unidade encaminhou o caso para a comissão de óbito, composta por equipe multidisciplinar, que concluiu que mesmo com todos os recursos empenhados, não seria um óbito evitável. Embora a unidade tenha constatado o óbito, encaminhou para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do município.
Vale ainda destacar que por se tratar de pronto atendimento, não é perfil da unidade contar com profissionais da área de psicologia, porém, a família recebeu todo acolhimento e apoio possíveis pela equipe de enfermagem e também pelo médico de plantão no dia do óbito. A unidade também disponibilizou, conforme solicitação da família, o prontuário na íntegra em sinal de transparência dos fatos. A unidade segue à disposição da família para qualquer esclarecimento`.